domingo, 5 de fevereiro de 2012

O HOMEM SEM CAMISA”

Publico mais um artigo do meu amigo e leitor Carlos Dias Felizardo, que por sinal ficou muito bom, como todos os outros que ele escreceu.

É madrugada. Perdi o sono pensando o dia a dia depois de um sonho cheio de gente nova, que nunca vi na vida, conversando entre si, como se fossem velhos conhecidos. A brisa fria da manhã entrava pela janela de meu quarto trazendo a benção de Deus desse meu mais um dia. Após o banho, com a barba feita, entro num jeans habitual, sobreponho uma camiseta polo, calço os sapatos com meias, sento-me numa cadeira de balanço e, da sacada, continuo observando os primeiros madrigais. Ouço o cantar dos bem-te-vis. Presumo: vai ser um belo dia! Já na rua, da calçada, observo numa esquina, as pessoas saindo de suas casas de porta- rente. Senhoras varrem, padeiros gritam, cachorros latem, crianças engarupam os pais com suas mochilas escolares, de cabelos molhados, atrasados que estão para o início da aula. Um conversa com um. O outro com o outro. São as primeiras notícias da manhã. O famoso diz-que-diz. O boca a boca. E eu atento a tudo. Vi até o poodle de uma senhorinha fazendo o xixi na grama do canteiro ao lado! Folgado ele!
   E lá vem ele: o homem sem camisa.  Não sei por que, não consigo ficar sem camisa nem dentro de casa! Minha criação foi arcaica, imagino. Não entendo como uma pessoa consegue andar na rua sem camisa! Achei o cara folgado!
   - Ei, Galego, chegue. Deixa-me te dizer. Vocês perderam ontem. A festa estava ótima.
   Era uma vizinha chamando o homem sem camisa para uma atualização.
   - Não pude ir, mulher. Mas na próxima irei, com certeza. Respondeu o “galego” educadamente, caminhando ao seu destino, ininterrupto.
   Galego, o homem sem camisa me chamou a atenção. Estava tranquilo, aparentava bom semblante, barbeado, bem disposto e mostrava-se conhecido de todos que cruzavam com ele naquela hora da manhã. Vestia um desses bermudões frouxos, bem solto, branco, que, pela transparência, via a cor da cueca. Folgado ele. A sandália nos pés destacava-se pelas tiras largas, sola em forma anatômica de canoa, que dá sensação de mais folga ainda. A camiseta qualquer estava alçada ao ombro, acredito que para ser usada assim que preciso fosse.  A barriga proeminente, em formato “melancia”, dava o ar da graça na compleição tranquila do moço. Parecia-me que nada lhe perturbava. Que bom. Deus lhe acompanhe, pensei.
   Aonde vai Galego? Pergunta a mulher.
   Estou indo trabalhar. Estou atrasado. Depois das seis passo em sua casa, viu? Tchau.
   Eu ali olhando o homem sem camisa. Escutei tudo ao acaso da manhã. Fiquei imaginando: que bom deve ser ir para o trabalho, sem camisa, de bermuda e com chinelos nos pés! O que será que esse homem faz? Onde? Como será que se sente assim? Com essa aparência tranquila? Como serão seus superiores? E seus inferiores? Bem, fiquei com vontade de perguntar isso tudo a ele, mas o seu caminhar era constante e não deveria intercedê-lo, naturalmente.
   Perdido em pensamentos, lembrei-me da natureza humana. O homem nasce nú. O homem vai estabelecendo regras. O homem vai formando o caráter através do conhecimento empírico do cotidiano. O homem é produto do meio. Cresce, enriquece, acumula, cria, recria, engorda, envelhece e adoece! Morre! Vai embora daqui vestido! E não tem o privilégio de levar nada consigo. Apenas uma roupa no corpo inerte. O que fica? Escreveu? Fotografou? Transmitiu a alguém?
   Quanta inveja sinto desse Galego! O homem sem camisa! Que pode ir ao trabalho como gosta. Ou como pode, diriam outros. Mas que vai ao seu  trabalho. Não importa qual seja. Alguém acolá conta com ele. Quantos homens dentro de seus escritórios, com seus paletós e gravatas acochadas, sufocantes ao pescoço, cercados de soberbos e arrogantes, ávidos para na primeira hora possível se desvencilharem dessa indumentária maluca e se jogarem no mundo dos sem camisa?  Seja feliz, Galego! Paz aos homens!

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