terça-feira, 20 de dezembro de 2011

ARTIGO


          “QUEM VAI CUIDAR DE MACEDÔNIO?”

    Macedônio nasceu e viveu na roça os dias de sua vida. Correu descalço pelos campos, banhou-se em rios caudalosos, cresceu nas lides da lavoura e dos animais. Foi um menino feliz. Transformou-se num jovem viril e trabalhador. Conheceu Magnólia, dezesseis anos, bem mocinha, casaram-se e conceberam oito filhos. É assim mesmo, escuta-se nas conversas de roda, naquele tempo não existia televisão, nem rádio! Haja trabalho! Criar oito filhos na década de 40, quando a atividade rural, de subsistência e sobrevivência exigia de pais e filhos interação e integração para êxito de todos, era preciso, como na história da canoa: remar, remar e remar. Todos remando. Aí, a coisa andava! Portanto posso questionar: nessa época, filhos, quanto mais, melhor? Bem, deixa isso de lado, pois Macedônio e Magnólia foram exemplos de superação e dedicação, legando à sociedade cidadãos de bem.
   Em meados da década de 60, por motivos tantos, que não vêm ao caso, metade deles migrou-se para a cidade. Refugiava-se das dificuldades da roça aprendendo e exercendo novas atividades. E, como na história da canoa, remar, remar, remar...
   Macedônio e Magnólia vinham de quando em vez para tratamento de saúde, especialmente. Em setembro de 1987, subitamente, ela sentiu-se mal. Entre diagnóstico e falecimento estenderam-se vinte e sete dias. Os filhos amargaram inesperadamente o inusitado e a dor. Decidiram que o pai moraria com eles, assim poderia ser assistido, ter companhia, reciprocidades de um baluarte para netos, bisnetos, etc. Ledo engano!
   Esqueceram-se da virilidade de Macedônio, que conheceu Florzinha, que achou por bem idêntico ter um novo companheiro para o fim dos seus dias, iguais em tudo, no passado e no presente.  Quiçá, junto de sua família, seriam felizes eternamente? E, como a história da canoa... Viveram dias maravilhosos! Macedônio mostrava-se um forte no alto de seus setenta anos. Florzinha, viúva como ele, tinha sessenta, que pareciam trinta. A casa, sempre cheia nos finais de semana era palco de congraçamento, de amor, carinho, de compreensão, gratidão, esperança e fé. Mesmo assim, no contar das remadas, a relação começou dar mostras de fadiga. Pessoas próximas testemunhavam isso. É o ditado: no começo tudo são flores! Macedônio apresentou problemas de saúde, visão, audição, próstata, cuidados fisiológicos e de locomoção, necessitando de acompanhamento constante. Florzinha deixou de ser companheira. Era enfermeira, cozinheira, vigilante e tinha saúde tão frágil quanto. Ambos precisaram de cuidados diuturnamente. Assim, noutra decisão consensual, cada um foi para os seus. De Florzinha nada sei. Espero estar bem. Quanto a Macedônio, meu avô materno, como a história da canoa...
   Quem fica com Macedônio? Quem vai cuidar dele? O que fazer?  
   Tem agora noventa e dois anos! Exigente, se deixar vai à farmácia do Nicanor três vezes ao dia medir pressão arterial. Cuidadoso, limpo, barbeia-se e troca de roupas diariamente! Mais vaidoso que os jovens da idade de seus bisnetos! Decidiram que Osvaldo, um dos netos, cuidaria dele por tempo indeterminado, preparando um quarto especial, com adaptações necessárias ao seu dia a dia, que exigiria investimento de certa importância, dividida entre seus rendimentos de aposentado e a colaboração dos filhos, que contratariam uma pessoa especialista em tratamentos dessa natureza, etc. Daí que, ao analisarem custos, desistiram da ideia e tudo foi improvisado de forma que, quem estivesse mais próximo, dava a devida atenção, resolvendo o que fosse preciso.  Como a história da canoa... Macedônio entretinha-se com trabalhos manuais, mesmo com dificuldade de enxergar era hábil marceneiro e artesão. Fazia miniaturas em madeira: carros de boi, cabides, charretes, cadeiras, etc.. Outra dele? Gostava de dançar! Pé de valsa, diziam. Uma das filhas, pé de valsa também, sempre que possível, o levava para o Centro de Convivência da Terceira Idade, onde dançavam até cansar! A idade passando e as dificuldades aumentando, quem vai ser o próximo? Astrogildo? Não, eu não. Não posso. Astolfo? Não, eu não. Estou indo pra pescaria e... Alceu? Não. Hoje não. Roseli? -Tragam-no pra minha casa. Cuidarei até amanhã, por que irei ao médico, ok? Mamãe aceitou hospedá-lo por uns dias, para que Osvaldo pudesse viajar com a esposa, que já andava acabrunhada com essa história de só eles cuidarem! Sugeri contratarem serviços de um abrigo especializado, percebia claramente a dificuldade em darem atenção, mas vovô Macedônio, ele próprio, não aceitou tal proposta. Essa situação perdurou até que Ofélia, caçula das filhas, aposentou-se e pode dedicar-se à tarefa. Assim foi até o último dia. Faleceu Macedônio com noventa e seis anos!
   O IBGE, no senso de 2010, diz: temos 15 milhões de idosos com mais de sessenta anos. Em 2020 seremos 30 milhões!
     Digo SEREMOS por que estarei entre eles! Espero!
     Empalidecido estou, calo-me perdido nos pensamentos, nos questionamentos, nos ensinamentos que essa passagem deixa a mim, no que posso aproveitar para legar aos meus filhos e netos. Se assim me for permitido esse privilégio. Quão surpreendente é a vida! Quão oportuna o viver junto de nossos queridos, no âmago do entrelaçamento! Poucos se apercebem disso.
   Numa reflexão exacerbada, desde que meu avô se foi, decidi escrever sobre esse tema. Exclusivamente reflexivo. Fico me perguntando em quantos lares brasileiros temos um Macedônio? E o que estão fazendo com ele? Quais políticas públicas são ou podem ser adotadas para dar-lhe dignidade? Claro que cuidar do idoso é incumbência de sua respectiva família e necessariamente os governos não se atém a isso, mas é fácil perceber as dificuldades dela em agir para tal, seja por ignorância, por falta de informação ou mesmo negligência, que é o que acontece na maioria dos casos. Quantos estão jogados ao relento, nas calçadas, nos guetos, isolados, maltrapilho, debilitados, à mercê da própria sorte, de alguém que lhes dê um gesto de apreço? Não falo aqui de Macedônio, que teve com quê. Pouco mas, teve. Não incluo os afortunados pela outra sorte. Nem tampouco os que souberam, honradamente, cuidar de seus bens, adquiridos ao longo da vida e, portanto, desfrutam dos benefícios com os quais sonharam usufruir! A esses, parabéns! Há que se reconhecer o que já está feito, as entidades, as associações, as ações do voluntariado, do eclesiástico e instituições outras, que se desdobram ao contribuir em prol dessa causa. Outros não têm consciência desse panorama. Desde pequeno tive afeição aos mais velhos. Recordo o jogo de dominó com Porfírio, o bate papo com Francisco. O futebol com Antônio Vó, palmeirense apaixonado que, mesmo com setenta anos, jogava futebol entre rapazes de vinte e poucos.  Meus professores, hoje aposentados em sua maioria, que souberam me conduzir, me informar, me preparando para o futuro. No decorrer da vida tenho conhecido vários idosos, com os quais compartilho opinião, ouço um conselho, aprendo um pouco mais. Por que é na observação das atitudes dos mais velhos que aprendemos a nos comportar diante das situações que nos serão apresentadas! O idoso é um arquivo vivo, um testemunho do cotidiano, de onde tiramos nossas conclusões. Conclusões essas que nos dão parâmetro para nossa caminhada, nossa passagem de bastão! A vida, como na competição esportiva, é uma passagem de bastão! Não podemos deixar que essa margem idosa que aí está, nesses becos de rua, sem teto, sem comida, fique assim. É necessário resgatá-los!
   É chegado o período natalino. Comemorações à parte, as crianças aprendem sobre o nascimento do Menino Jesus e seu significado para os cristãos. Papai Noel também faz parte deste universo, como o bom velhinho que sai distribuindo presentes por todos os lares. Papai Noel também é idoso! Quem sabe, como num sonho, ele possa nos ajudar nesse propósito! Amém!


                                                                                                                         
                                            Carlos D. Felizardo
                                       Acadêmico em Administração Pública
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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